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Sobre o comércio de animais

Todos nós, algum dia já ouviu alguém dizer que ama os animais. Na
verdade, esta afirmação é bastante corriqueira. Deduz-se que vivemos em
uma sociedade amigável aos animais !

Não, não somente não vivemos em uma sociedade amigável aos animais,
como temos transformado a vida deles num verdadeiro pesadelo tamanho o
desrespeito com que temos tratado suas vidas. A criação de cães e gatos para venda é algo vil, tão indigno de nossa condição de seres pensantes que se não estivéssemos cegos como estamos pela ganância e vaidade, esta prática já teria sido banida de nossa sociedade há muito, mas muito tempo.

Mas não podemos esquecer que em toda atividade que envolve troca,
permuta, tem que haver dois indivíduos para que tal aconteça. Logo, se numa ponta desta prática está alguém explorando fêmeas a parir em nome do lucro, na outra ponta está o comprador, ou seja, outro ser humano inconsciente que alimenta a cultura da exploração.

A prática do comércio de animais está tão arraigada em nossa cultura que a maioria das pessoas não percebe suas reais implicações éticas, psicológicas, sociais e legais.

Presenciar um filhote em uma vitrine ou numa gaiola de uma pet shop, oferecido como um produto é algo deplorável. É um atestado de nossa falência moral. Reflete do que somos capazes de fazer em nome do lucro.

Ficamos cegos e surdos à dor, ao sofrimento daquele pequeno ser que foi arrancado da companhia de sua mãe e irmãos de ninhada, privado daquilo que lhe é mais caro: segurança,alimento,calor e interação.

Alguns dirão: mas nem todos os filhotes estão em vitrines ou gaiolas! Sim, onde estão? Nos canis, nos gatis, mas se estão à venda, não importa onde, estão sendo considerados mercadorias.

A sensação que um filhote experimenta ao ser afastado precocemente
de sua mãe é algo extremamente traumático para ele e isso se refletirá em seu comportamento, com possíveis sequelas comportamentais de difícil
reversão.

Por outro lado as mães, privadas de seus filhotes, exauridas de tanto gestarem, um cio após o outro.

Muitas morrem mais cedo devido ao desgaste orgânico das múltiplas
gestações, outras adoecem e outras ainda rejeitam as crias por pura incapacidade física e psicológica, oriundas do stress das gestações sucessivas.

Mas, os humanos são tão zelosos com seus próprios filhos, não?Qualquer relato negativo envolvendo um filhote humano, ou seja, uma criança, gera quase sem exceção uma reação imediata de repúdio por parte das pessoas. Mas porque ficamos tão indiferentes ao sofrimento dos demais
filhotes e suas mães? Porque não nos indignamos e damos um basta à
exploração de cadelas e gatas, tratadas como “máquinas de parir”, matéria prima para a “indústria de filhotes”, para atender a ganância e vaidade humana? Por quê?Porque as pessoas em nossa sociedade compram animais?

Quando me formei na década de 80, comecei a presenciar em minha
rotina profissional, os reflexos da vaidade humana na vida dos animais.
Constatei com pesar que muitos buscavam um animal para atenderem sua
vaidade, submetendo-se a um certo ” modismo”.

Lembro que primeiro vieram os Dobermans, depois os Pastores Alemães, depois os Rottweillers, depois os Pitbulls, depois…depois… No porte pequeno vieram os Pequineses, os Fox Paulistinhas, os Poodles, os Cockers. Mais recentemente, os ” top de linha”, os Yorkshires, que as enininhas desfilam em suas bolsas como adereços de luxo, simbolizando status econômico.

Outras passeiam com seus Poodles tosados, vestidos e enfeitados,
compartilhando a calçada com cãezinhos magros, de olhos tristes, farejando migalhas no chão. Mas por que as pessoas dão tanta importância à raça de um animal?Por que elas não conseguem sintonizar com a essência dos animais? Por que precisam se ater à forma, à aparência? Por que, ao invés de comprarem, não adotam um animal abandonado?Por quê?

As pessoas dizem que amam os animais. E eu lhes pergunto: quais animais? Para a maioria cabe a resposta: amam seus próprios animais. E olhe lá. Arrisco dizer que a maioria das pessoas não ama os animais, simplesmente pelo fato de que elas não sabem o que é amar um animal.

Amar não é uma experiência sensorial.Quando uma pessoa olha para um animal e acha ele bonito, ela está tendo uma experiência sensorial, ou seja, ela está vendo algo que agrada seu senso estético. Aquela imagem lhe dá prazer, e ela passa então a querer aquele objeto de prazer, próximo a si. Mas isto não é amor.

Quando uma pessoa acaricia o pêlo de um animal e acha agradável,
gostoso o toque, esta pessoa está tendo uma experiência sensorial. O tato lhe dá prazer. Mas isto também não é amor.Amar transcende. Quem ama respeita e não pode haver respeito quando se compactua com a exploração. Quem ama de verdade os animais, não escolhe porte ou aparência.

Em uma sociedade materialista, com valores distorcidos, com o culto do TER em detrimento do SER, fácil entender alguns fenômenos sociais nos quais os animais são usados, inconscientemente, como símbolos.

Muitas pessoas buscam comprar um animal de raça porque eles simbolizam status econômico. Quem comprou, pagou. Quem pagou, tem dinheiro. E em nossa sociedade, quem tem dinheiro tem algum poder.

Para outras pessoas, o animal de raça supre uma sensação de baixa auto-estima. Ao passear com um animal de raça definida, a pessoa sente-se mais valorizada. Ao contrário, desfilar com um ” vira-lata” pode ser muito desafiador para um ego pouco desenvolvido.

O temor inconsciente de ser classificado de igual forma ao animal sem raça, ou seja, como ” sem valor”, faz com que elas repudiem a idéia de adotarem o sem raça definida.

Temos ainda os pitboys. Jovens com baixa escolaridade, de classe
social menos favorecida, mergulhados numa cultura violenta, buscam um cão de raça vigoroso, que simbolize força e cause temor e ” respeito” entre seus companheiros. Estes jovens não têm consciência de que precisam de um cão para serem aceitos e ” respeitados” em suas tribos.

E são estes jovens que têm feito da vida de centenas de cães da raça Pitbull um verdadeiro inferno, pobres animais estimulados à agressividade, vítimas da estupidez humana e omissão das autoridades constituídas, que na maioria das vezes nada faz para coibir este estímulo à violência.

E assim, os animais de raça definida vão servindo aos propósitos de uma espécie psicologicamente desequilibrada, empobrecida de valores mais nobres, que os usa como muletas para suprir suas deficiências psicológicas. E agindo assim, temos perpetuado o holocausto daqueles que não conseguem um lar e a exploração daqueles a quem dizemos amar.

Milhões de animais, cães e gatos sadios são mortos por ano em abrigos públicos, os chamados CCZs – Centro de Controle de Zoonoses- a maioria, rejeitados, abandonados, por não se enquadrarem num padrão estético, outros, por cruel ironia, são igualmente eliminados mesmo possuindo uma definição racial que os tornou vítimas de sua própria aparência, na medida em que foram criados em série, vendidos e depois abandonados.

Muitos crêem equivocadamente que animais de raça definida sempre terão quem os queira. Mas ter quem os queira, não significa em absoluto que serão cuidados, que se responsabilizarão por eles. Nossa rotina veterinária mostra isso com dolorosa clareza.

Acredito que todo colega veterinário que trabalhe com clínica de pequenos animais, vivencia a desagradável situação de atender filhotes recém adquiridos das feiras de filhotes. Eles chegam trêmulos, nos braços de seus tutores, com olhar sem brilho, assustados, inseguros pelo afastamento de suas mães.

Um número imenso deles apresenta problemas físicos diversos desde tenra idade como verminose, parasitas externos, desnutrição e infecções virais. Freqüentemente estes filhotes vão a óbito. Seus novos tutores mostram-se nesta ocasião profundamente irritados pelo fato de terem gasto dinheiro e perderem o animal. Tentam contato com os vendedores não raro, não os encontrando. Os que conseguem o contato, após alguns telefonemas, estabelecem que receberão outro filhote.Afinal, tudo não passa de uma transação comercial! Produtos com defeitos são trocados, substituídos. Para filhotes mortos, filhotes repostos.

Para algumas pessoas mais sensíveis, a experiência dolorosa de perder o filhote provoca uma reflexão e percebem o quão cruel é o sistema que fomentaram ao comprar o animal. Mas estes infelizmente são a minoria, diria mesmo, uma raridade. A maioria continuará a buscar um cão ou gato na próxima feira ou pet shop.Há muitos anos, os militantes da defesa dos animais lutam com tenacidade para pôr um fim a uma das maiores atrocidades cometidas contra os animais, que vem a ser o extermínio em massa praticado em cães e gatos sadios pelos órgãos públicos, numa tentativa equivocada, anti-ética, ultrapassada e ineficaz de controle populacional.

E, enquanto uns buscam incessantemente o controle populacional ético, estimulando esterilizações, adoções, promovendo palestras educativas, outros estimulam nascimentos, produzem ” fábrica de filhotes”, exploram fêmeas a parir, tudo em nome do lucro, da ganância, da vaidade humana.

Vão à contramão da solução viável, acentuando o desequilíbrio nestas populações, indiferentes à sorte destes animais, cegos a uma realidade grotesca que vitimiza os inocentes, os indefesos e se omite frente aos exploradores.

Os cães e os gatos vivem um verdadeiro drama nestas selvas de concreto, as denominamos cidades modernas.Nascem em grande número e são abandonados à própria má sorte por pessoas egoístas, inconseqüentes que cultuando a ” síndrome de Pilatos” lavam as próprias mãos e viram as costas para o trágico destino destas sensíveis e vulneráveis criaturas.

O poder público por sua vez, promove seu extermínio biocida tratando-os como pragas urbanas, não percebendo ou não querendo perceber as verdadeiras causas envolvidas nesta questão. O comércio de animais é um dos grandes agravantes do drama da superpopulação de cães e gatos.E o que o poder público faz para coibir esta prática? Os animais têm nos dado muito. Acrescentam muito às nossas vidas, mas nós não temos retribuído da mesma maneira a eles. Mahatma Gandhi dizia: ” A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo como seus animais são tratados.” Mas os canis públicos e particulares estão lotados neste exato momento, povoados por latidos e miados lastimosos que clamam liberdade e carinho. Estão lotados pelas vítimas da nossa vaidade, da nossa insensatez, da nossa inferioridade.

Sabemos que o preconceito, que se constitui uma das maiores manifestações de violência, tingiu a história da humanidade de sangue e horror. O nazismo exemplifica com clareza onde podemos chegar a nome do
preconceito racial.Temos nos outorgado o direito de tiranizar a todos aqueles seres vivos, independentemente da espécie a qual pertençam, quando os consideramos de menor valor.O novo milênio chegou trazendo um desafio a todos nós: mudarmos os paradigmas vigentes e colocarmos outros em seu lugar. Mas como se faz isso?

Quinto Horácio Flaco, poeta latino que viveu entre 65 a 8 AC,
dizia: ” Ousa saber. Começa.”, Comecemos nos conhecendo.

Comecemos tendo a coragem de nos olharmos com realismo e encararmos de frente o grande inimigo que ainda habita dentro de nós mesmos e nos faz cometer toda sorte de crueldades e desrespeito contra a vida.

Porque enquanto insistirmos em nos vermos com olhos benevolentes, sob uma ótica ingênua, não conseguiremos operar as mudanças necessárias para tornarmos este mundo um lugar ecologicamente equilibrado para as futuras gerações de todas as espécies.

O homem é somente mais uma espécie. Não é, nem nunca foi o centro da criação. Precisamos ajudar os homens a libertarem-se de sua condição de algozes, de exploradores. Precisamos auxiliar os homens a abandonarem o comodismo e ajudá-los a perceber que são capazes de fazer diferente e melhor. A fazerem algo mais nobre pela vida como viver e deixar viver.

Porque errar é humano, persistir no erro, é maldade. Acordemos.

Vanilda Moraes Pintos,Médica Veterinária,Coordenadora do Grupo Amigo Bicho da Sociedade Vegetariana Brasileira-Rio Grande/RS. Diretora Administrativa do MGDA- Movimento Gaúcho de Defesa Animal-Porto Alegre/RS

Fonte: ANDA
Sobre o comércio de animais Sobre o comércio de animais Reviewed by ASA on 22:24 Rating: 5

3 comentários

  1. Bom dia.
    Concordo plenamente com tudo que foi dito até agora.
    Eu sempre tive cachorros, a maioria "vira-lata", são os mais adoráveis, mais carinhosos...hoje tenho uma poodle que ganhamos, ela não é tratada com mto "mimo", pois vive no quintal de terra, usa roupinha só qdo faz mto frio...eu diria que ela é feliz assim.
    Desde pequena sempre sonhei em ter um cachorro enrugadinho...o famoso SHARPEI.
    Esse ano ganhei um do meu namorado, ele comprou nessa feira que sempre tem em Catanduva. Achei um absurdo a maneira que os animais ficam expostos, alguns sem água ou comida, mesmo assim levamos...a minha cachorrinha chegou em casa tão desgastada que dormiu quase que um dia todo direto, acordava só pra comer e fazer as necessidades.
    Essa semana eu percebi a falta de apetite dela, levei ao veterinario e descobri que ela, assim como a maioria dos cães vendidos nessa feira, estão com CINOMOSE.
    Provavelmente já estavam contaminados...acho uma falta de respeito com os animais, porque segundo a minha veterinaria, essa doença é de maus tratos, se um único cachorro estivesse com a doença, poderiamos pensar que foi adquirida em casa, na rua...mas não, a maioria estão doentes...mto deles ja morreram.
    A minha graças a Deus "está bem", não está com convulsão, espasmo...nada, a veterinária acha que conseguiremos salvar...ja estou desesperada de ver o sofrimento dela.
    Sou apaixonada por cachorros, se pudesse levaria todos pra minha casa da mesma maneira que minha amiga faz, mas nao tenho condições pra fazer isso.
    Enfim, estou passando daqui porque quero divulgar o máximo possivel, essa crueldade, a maneira que eles fazem, alem de vender um animal e colocar garantia de 7 dias, o que é um absurdo total, vendem o "bichinho" doente, debilitado.
    Eu nao devolvo minha cachorra de maneira alguma,e nao quero dinheiro de volta, quero apenas que isso acabe, eles são bichos, mas tem vida, sentimento.
    Não sei se estou fazendo a coisa certa, mas estou me unindo as pessoas que estão passando pelo mesmo problema que eu, para divulgarmos, se eles venderam todos esses animais doentes, com certeza os que estao vendendo até o dia 17/07 no shopping de rio preto estão da mesma maneira, porque não descontaminaram o transporte, nada.
    Isso é uma falta de respeito não com a gente, mas unica e exclusivamente com o animal.
    Eu achava que comprando um animal, a gente pagava pela raça, mas vi que pagamos pelo sofrimento do mesmo. Nunca mais eu compro um cachorro ou qualquer outro animal, isso é desumano.
    Não sei se vocês podem me ajudar com a divulgação contra essas feiras.
    Mas de qualquer maneira, agradeço.
    Gabriela,
    Catanduva-Sp

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  2. Boa noite amiga Gaby!
    Além do caso de sua cachorrinha, ficamos sabendo de mais um hoje, o BEagle da Fabíola. Ela comentou que vcs estão unindo forças para protestarem contra essas pessoas. Com ctz divulgaremos ao máximo tudo que vc tem nos narrado e tudo que mtas pessoas e veterinários tb tem nos contado sobre os filhotes que foram e são vendidos nessas feiras. Conte com nosso apoio e os nossos mais sinceros desejos de ver melhoras em sua cachorrinha. Mande noticias da recuperação dela pra gente! Um abração e obrigada por compartilhar conosco sua historia.

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  3. Bem bonito o texto acima e concordo em partes. Mas não dá pra generalizar, pois tenho cão vira-lata, 3 gatos (todos de rua)e comprei um na exposição. Corremos o risco de ficar redundantes se formos seguir o texto acima ao pé da letra. Existem pessoas que olham para o animal e se apaixanam, não pela raça ou por ser mais peludinho, mas pelo olhar, algo muito maior e que vai além do que conhecemos. Não sou uma exceção, sou mais um que acredita no amor verdadeiro independente de raça ou animal. O que não se deve fazer é usar isso para quase falar um "bem feito por você ter comprado um animal na feira" como já ouvi muita gente falando. Graças à Deus meu cachorrinho está ótimo, mas acompanhei a dor do "Fly" e da Fabíola. Sei o quanto eles sofreram. fomos para Rio Preto ontem, mas a dona do canil não estava. Mas só uma pessoa lutando não resolve. Enfim, falar é fácil... julgar é fácil... Tem que existir união e mais amor. Contem comigo nessa luta. abraços e parabéns ao ASA pelo lindo trabalho!

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